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Os pequenos nos convidam a experimentar. Eles têm a arte dentro de si. Eles criam arte. Eles dizem algo. Algo que perdemos. Algo atraente e sedutor. Algo que não reconhecemos. E que não podemos explicar. Tudo é muito maior. Para as crianças pequenas existe uma conexão direta entre vida e obra. Essas são coisas inseparáveis. (HOLM, 2007, p.3)
Como enriquecer a rotina das crianças pequenas? O que fazer durante o dia todo? Quais atividades podem ser vivenciadas por bebês tão pequenos? O que fazer com crianças de 1, 2, 3 anos?
Essas e outras perguntas são parte de uma demanda que recebo via minha fanpage do blog. Educadores com vontade de fazer diferente, mas com muitas dúvidas sobre o que e como oferecer. Em 2013, comecei uma especialização em educação de 0 a 3 anos e a partir daí tenho me dedicado a estudar essa faixa etária. Esse tema surgiu do meu interesse em investigar a exploração, a brincadeira e a arte entrelaçadas, para meu trabalho de conclusão do curso apresentado em 2015. Minhas principais questões foram:
O que é considerado arte para bebês? Qual a importância dessa vivência para as crianças pequenas? Deve-se separar as áreas de conhecimento na primeiríssima infância?
São questões complexas e abertas, mas pelo menos me ajudou a refletir melhor sobre cada uma delas e o que compartilho aqui é parte da minha pesquisa.
PIAGET E NEUROCIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES
Depois que a criança nasce, o processo de formação da inteligência acontece a partir do contato com seu entorno: as pessoas, os objetos, os materiais, as imagens, as sensações, a natureza, os animais. Considerando que quanto mais experiências positivas a criança puder viver, mais impactos positivos terá no seu desenvolvimento, a neurociência e o período sensório-motor descrito por Piaget em diálogo com as aprendizagens por meio dos sentidos e do brincar, tem a pretensão de definir a importância da arte na primeiríssima infância e de relacioná-las à escolha de situações que colaboram com o desenvolvimento infantil.
Na abordagem de Piaget1, na fase sensório-motora, a construção do conhecimento acontece a partir da relação das ações motoras e sensoriais da criança, ou seja, ela aprende tocando, sentindo, experimentando e se movimentando.
Richter (2014 apud PIAGET 1971) esclarece que:
(...) a significação tem sua gênese na organização da experiência vivida. E a organização da experiência na criança surge pela descoberta dos limites de suas ações em relação às propriedades dos objetos, ou seja, da construção do real. Portanto, as propriedades que a criança extrai dos objetos derivam do conjunto de possibilidades de manipulação desses objetos.
As propriedades físicas dos objetos são importantes para as crianças conhecerem suas características e propriedades, mas também sua potencialidade. Na abordagem de Reggio Emilia2, o atelierista Piazza em entrevista para Gandini (2012, p. 28) diz:
Quando as crianças usam suas mentes e mãos para agir sobre um material usando gestos e instrumentos, começam a adquirir habilidades, experiência, estratégias e regras surgem estruturas dentro da criança, que podem ser consideradas como uma forma de alfabeto ou gramática.
Ainda segundo Richter (2014 apud RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1984, p.47) “(...) conhecer exige uma ação sobre o objeto para transformá-lo e para descobrir as leis que regem suas transformações (...)”. E a partir da experiência da ação e da organização dessa ação, o conhecimento acontece nessa relação: a criança interpreta e reconstrói o mundo, com uma imagem que faz sentido para ela, a seu entendimento.
Richter (2014, p.187) revela que:
Ao construir espaços e criar situações onde possa exercitar a liberdade, a criança faz e age sobre a matéria e o tempo-momento da ação, na concentração exigida pelo prazer do gesto significador. Os meios artísticos, aqui tornam-se estratégias de um pensamento que integra razão e desejo como instrumentos do conhecimento e da ação, permitindo a criança estar alerta, atenta não só ao que acontece fora, mas ao que se passa por dentro.
Nesse processo a criança entra em contato com sua interioridade, a partir do momento que ela reproduz uma ação, ela passa a inventar movimentos e explorações, descobrindo que seus gestos deixam marcas. Essa invenção vem da imaginação, a criança começa a estabelecer relações e simbolizar, descobrir, repetir, reinventar, representar, e essa exploração se transforma em brincadeira.
Para a neurociência3, os estímulos externos oferecidos pelos adultos são essenciais para estabelecer conexões entre os neurônios, ou seja, para formar cada vez mais sinapses. Por meio das informações enviadas pelos órgãos sensoriais, a criança aprende a tomar conhecimento do que acontece ao seu redor e como interagir com os objetos, para depois criar e organizar seu conhecimento a partir dessas vivências, favorecendo uma memória sensorial.
Os três primeiros anos de vida são decisivos para a formação dessas sinapses, sendo que o cérebro se mantém acelerado e em crescimento. Nessa faixa etária, o essencial é explorar todo tipo de sensação com diversos materiais e usando o corpo todo: estimular as mãos, a boca, o nariz, o olhar, o ouvido. A aprendizagem é um processo ativo e as crianças aprendem fazendo coisas. É a fase com maior potencial, em nenhum outro momento da vida o corpo humano aprende e se transforma tanto.
É importante lembrar que as crianças também precisam de uma pausa e de respeito ao ritmo de cada uma, sem uma proposta atrás da outra. A repetição e a diversidade de propostas em dias diferentes são importantes, mas o excesso de estímulos pode provocar estresse tóxico, ou seja, a redução das sinapses – das conexões neurais, prejudicando o desenvolvimento. A aprendizagem também depende do sono para que as sinapses possam ser consolidadas e da alimentação por necessidade de energia.
OS SENTIDOS
Os bebês conhecem o mundo levando os objetos à boca e é importante proporcionar essa experiência, assim conhecerão as sensações agradáveis e desagradáveis dos objetos. É comum nas propostas de arte que levem os materiais e tintas à boca; então é importante considerar o uso de alimentos e elementos naturais para a produção de tintas, melecas, massinhas, cola e usar giz de cera de abelha.
Com as crianças pequenas é possível explorar também por meio dos olhos: a observação do entorno demanda atenção e curiosidade sobre as coisas. E explorar os ouvidos: desenvolver a escuta atenta com sons, brincadeiras com instrumentos, ouvir o entorno, se movimentar de acordo com o som dos instrumentos e aproveitar situações cotidianas.
Para que uma criança tenha um bom desenvolvimento sensorial e perceptivo, ela precisa de um grande leque de opções de experiências e manipulação, assim como liberdade para atuar em um ambiente rico em espaço e em materiais, que ofereça experiências diversas com os objetos, o corpo, outras crianças, pessoas, animais e a natureza. Por isso é importante um trabalho com as cores, com as instalações, os ateliês, as melecas, o desenho, as tintas naturais, o teatro, intervenções no espaço, entre outros.
O CORPO
Um corpo que vive cheio de ricos e simples estímulos do brincar com água, terra, areia, objetos, sons, jogos, conhecendo os alimentos, vivendo com os animais e plantas, fazendo arte com tudo isso, é um corpo vivido4 nessa fase tão importante da vida. Quanto mais possibilidades houver, melhor, como andar descalço, tomar banho de chuva, preparar alimentos, etc. Ao brincar a criança aprende sobre seu próprio corpo, aprende e fortalece relações de respeito e cuidado com as pessoas e com o espaço, em que cada cantinho é conhecido por elas.
Na abordagem Pikler5, os bebês de 3 a 15 meses têm completa liberdade de movimentos em relação à roupa adequada, ao espaço suficientemente bom para explorar e com a ausência de um adulto que insiste em ensinar a criança determinada ação que ainda não é capaz por conta própria, nessa abordagem valoriza-se a atividade autônoma da criança a partir de suas próprias iniciativas. Isso para que a criança se desenvolva com autonomia e mais consciente dos limites do seu corpo. Com essa vivência, os bebês se mostram mais livre, ativos e confiantes nas suas explorações e aprendem com suas conquistas e frustrações.
Moreira (2008), diz que a criança interage com mundo conquistando novas estruturas de movimento, então enquanto os pequenos rabiscam suas primeiras garatujas no papel, também correm de um lado para o outro aprendendo a controlar seu corpo, têm prazer nessa exploração do movimento e coloca intenção ao realizá-lo. A relação é mais com os gestos, os movimentos e o resultado das suas ações, tanto para o corpo quanto para a arte, para a alimentação, o brincar, o explorar; há uma gestualidade do cotidiano que está em diversas ações da criança. Quando as formas circulares aparecem nas suas brincadeiras, nos seus movimentos, nos gestos com os materiais, a criança conquistou uma fase importante e o jogo simbólico se inicia na tentativa de representar a realidade e a imitação do mundo adulto.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Considerando que a criança pequena de 0 a 3 anos é curiosa e precisa experimentar para conhecer e compreender o mundo ao seu redor - ela pesquisa explora, experimenta, investiga, testa, toca para descobrir. Acredito que a arte oferece experiências ricas e significativas para que a criança se expresse e explore seus movimentos, os objetos, os materiais e os espaços.
A arte mobiliza aspectos cognitivos, motores, afetivos e expressivos além de ser uma atividade lúdica e prazerosa. Quando a criança faz arte, ela está inteira concentrada na ação, com o corpo todo, sendo assim o trabalho com a arte na infância pode acontecer com as linguagens integradas.
As crianças têm contato com materiais artísticos desde muito pequenas, o que elas fazem não é arte, mas costumamos nomear assim, elas brincam e exploram o que oferecemos e o que desperta interesse em direção a investigação, ao prazer de descobrir.
O que há de mais valor nessas vivências são as interações estabelecidas e as formas criativas de explorar, mais do que um objetivo a seguir, pois o processo deve ser o próprio objetivo.
Nessas vivências o papel do educador é fundamental para que as crianças conheçam por si mesmas, tenham liberdade de utilizar os materiais e os espaços, sendo protagonistas de suas aprendizagens, com todo seu potencial e curiosidade.
O diálogo com a arte contemporânea e os processos das crianças são fontes maravilhosas de inspiração. As crianças também são produtoras de cultura e experimentar essa arte, a partir do olhar do educador que conhece o percurso das suas crianças e busca referências que façam sentido e possam dialogar com o fazer delas, garante uma riqueza maior de vivências na prática.
Algumas possibilidades além da pintura com tintas naturais, massinhas e melecas caseiras, para proporcionar uma diversidade de vivências, são propostas com elementos da natureza, com materiais não-estruturados, com luz e sombra, ateliês como espaços de pesquisa de determinados materiais (forma, textura ou cor), oficinas interativas com diversas linguagens misturadas em diferentes espaços, uso de argila, etc.
Os materiais simples como tecido, caixa de papelão, luz, embalagens, coisas de cozinha, do cotidiano, de descarte, são ótimos para oferecer às crianças, pois podem se transformar.
A experiência significativa está nessa experimentação, no processo de sentir, descobrir e brincar com as linguagens, no que envolve esse processo. Na relação com a liberdade, a alegria, o afeto e a parceria dos adultos, aspectos fundamentais para o sucesso das aprendizagens.
Então, se a inteligência, a imaginação criadora, os sentidos e a percepção se desenvolvem por meio das ações das crianças sobre o mundo, é preciso permitir e promover situações para que elas explorem, investiguem e pesquisem diferentes materiais e suas possibilidades.
Que os educadores sensíveis continuem buscando formação continuada, trocas e reflexões sobre suas práticas e sensibilize seus colegas. Que fortaleçam o olhar na concepção de criança potente, capaz e criativa, crianças inteiras que aprendem com o corpo todos os conhecimentos integrados e que a partir da documentação dos processos, as aprendizagens possam se tornar visíveis à toda comunidade escolar. As crianças precisam de adultos parceiros, sensíveis e abertos ao convite de entrar no mundo infantil.
Fazer arte na primeiríssima infância é juntar o brincar, as explorações sensoriais, as interações, as narrativas, os materiais, os espaços, é quebrar as fronteiras e valorizar as poéticas.
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*Esse artigo foi publicado em maio de 2017 no portal www.direcionaleducador.com.br como conteúdo online para assinantes. Acesse o link, cadastre-se e conheça o site com conteúdos e cursos na área da educação.
*Fotos das escolas onde fiz observação para pesquisa de monografia.
*Fotos das escolas onde fiz observação para pesquisa de monografia.
1 Biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), pesquisou e criou um campo chamado epistemologia genética, ou seja, o conhecimento se desenvolve na criança a partir da sua própria construção na relação sujeito/objeto.
2 Cidade localiza na Itália, onde a escola de educação infantil é referência no mundo todo. A abordagem educativa foi desenvolvida pelo pedagogo e educador Loris Malaguzzi. A pedagogia da escuta prioriza a escuta por parte do educador, assim as crianças ganham vez e voz para serem protagonistas de suas aprendizagens.
3 De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), a neurociência cognitiva explica como é o desenvolvimento do cérebro das crianças, desde o feto, até os 3 anos, considerando a influência da herança genética e principalmente as experiências vividas nessa fase.
4 Termo usado por Terezita Pagani fundadora da escola Te-arte no livro de BUITONI, Dulcilia Schroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te-arte. São Paulo: Ágora, 2006.
5 Abordagem criada por Emmi Pikler (1902-1984), pediatra húngara. Pikler estudou Medicina em Viena e desenvolveu um trabalho referência com crianças órfãs em um Instituto conhecido como Lóczy, na cidade de Budapeste, após a segunda guerra mundial.
Bibliografia principal:
BARBIERI, Stela. Interações: onde está a arte na infância? São Paulo: Blusher, 2012.
BUITONI, Dulcilia Schroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te-arte. São Paulo: Ágora, 2006.
COSENZA, Ramon M; GUERRA, Leonor B. Neurociências e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.
GANDINI, Lella; HILL Lynn; CADWELL, Louise; SCHWALL, Charles. (Org.) O papel do ateliê na educação infantil: a inspiração de ReggioEmilia. São Paulo: Penso, 2012.
HOLM, Anna Marie. BABY-ART Os primeiros passos com a arte. São Paulo: MAM, 2007.
KÁLLO, Éva; BALOG, György. Los Orígenes Del juego libre. Budapest: Magyarországi Pikler-LóczTársaság, 2013.
MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador. São Paulo: Loyola, 2008.
PAPALIA, Diane E; OLDS, Sally W; FELDMAN, Ruth D. Desenvolvimento Humano. São Paulo: Artmed, 2006.
PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. São Paulo: LTC, 1987.
RICHTER, Sandra. Infância e imaginação: o papel da arte na educação infantil. In: PILLAR, A. D. (Org). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2014, p. 155–170.
VILA, Berta; CARDO, Cristina. Material sensorial (0-3 años) Manipulación y experiemntación. España: Graó, 2005.