Pikler é o sobrenome da pediatra austríaca-húngara que criou a abordagem que também é conhecida pelo nome Lóczy, em Budapeste, devido ao nome da rua do Instituto onde aconteceu todo o trabalho reconhecido mundialmente.
O contexto histórico dessa abordagem é após Segunda Guerra Mundial, assim como outras abordagens e pedagogias surgiram na Europa. Em meio a devastação geral, a necessidade de se reerguer, se unir e criar novas perspectivas de sobrevivência e esperança para um futuro melhor.
Confira esse documentário em espanhol (há imagens da abordagem, da guerra, dos orfanatos):
Nessa época Spitz, um psiquiatra com formação em psicanálise, criou o conceito hospitalismo (por volta de 1945), isto é, a falta de afeto e vínculo pode levar os bebês a morte, não basta apenas suprir as necessidades físicas de alimentação e higiene (pense nos orfanatos, a quantidade de crianças sem família nessa época), os bebês precisam de afeto e de interação; da relação dedicada com um adulto referência, seja a mãe ou outra pessoa que ocupe a função materna. Nesse mesmo contexto, em 1946, a UNICEF foi criada para cuidar das crianças vitimadas da guerra.
A abordagem da Dr. Emmi Pikler teve caminhos muito interessantes: de observações em um hospital e as primeiras ideias sobre o que uma criança pequena necessita para ter um desenvolvimento saudável, depois comprovar essa teoria passo a passo colocando em prática em sua própria família, para orientar pais como pediatra familiar. Logo após, foi convidada a assumir um orfanato, atuou com formação de equipe e despertou o interesse das creches e outras áreas da saúde.
A riqueza está em oferecer o que há de mais humano: olhar, tocar, falar. Em considerar a criança pequena como uma pessoa, uma concepção que parece óbvia, mas que para o trabalho com bebês e crianças pequenas acontecia pouco.
Um aspecto importante é que desde o início do seu trabalho a Dr. Pikler registrava e documentava suas observações. Podemos conferir toda a sua pesquisa e documentação de anos, nos seus livros, com fotos e desenhos, além dos vídeos.
Anna Tardos, psicóloga e diretora do Instituto. Filha e sucessora da Dr. Pikler.
Existem diversas redes espalhadas pelo mundo que se dedicam em oferecer formação e divulgar a abordagem Pikler, além de contribuir com quem busca informação. Alguns países que consegui pesquisar: Itália, Suíça, Holanda, Áustria, Reino Unido, Espanha, França, Alemanha, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Peru, Equador, Chile, Argentina e Brasil.
O google é uma ferramenta incrível para encontrar vídeos, textos, fotos, reportagens, mas a maior parte do material está em outra língua. Temos pouco material traduzido para o português.
As minhas referências principais são as duas redes que já participei de cursos e o Instituto Pikler na Hungria:
- Rede Pikler Nuestra América, formação em Buenos Aires;
- Associação Pikler-Loczy na França, formação em Paris;
Além do meu primeiro contato com a abordagem que foi em 2013, pela OMEP, no 10o Encontro Internacional VID sobre a abordagem Pikler com a Anna Tardos. Atualmente, também estudo psicanálise, pois existe um bom diálogo com os princípios.
Com o foco no desenvolvimento sadio da primeiríssima infância (0 a 3 anos), essa forma de atuar com as crianças nos inspira e é possível abrir diálogos reflexivos com diferentes enfoques. Considerando a importância dos cuidados corporais, a motricidade livre, o vínculo com o adulto, as iniciativas da criança, a interação entre os bebês, a rotina, o espaço, os materiais para brincar, a observação e o registro. Promovendo um olhar mais sensível em relação a maneira como vemos e atuamos com os bebês e as crianças pequenas, são muitas as oportunidades de repensarmos a nossa prática. São nos detalhes como, por exemplo, a forma de pegar a criança, trocar, alimentar, interagir e se comunicar que se faz a diferença para construção de um indivíduo seguro e confiante.
Não tem como não considerar a nossa cultura e implantar uma receita, seria um erro, o que colocamos em prática são recortes possíveis, algumas mudanças. A abordagem é complexa e precisa de muito estudo, o trabalho educativo pode tê-la como referência.
No documento curricular do Peru já há citação da abordagem como referência www.repositorio.minedu.gob.pe, a pedagogia Waldorf também se inspira e nos Estados Unidos a abordagem RIE (Resources for infant educarers), criada por Magda Gerber tem um diálogo bem interessante.
www.rie.org/educaring/ries-basic-principles/
Em resumo, os princípios fundamentais dessa abordagem são:
- Valorizar as iniciativas próprias da criança (autonomia);
- Relação privilegiada entre o adulto e o bebê (criança pequena), principalmente nos momentos de cuidados corporais;
- Movimento livre, ambiente favorável, exploração e brincadeira espontânea.
Porém a partir desses princípios, conceitos menores, mas não menos importantes nos orientam.
É uma abordagem que quebra paradigmas, nem todas as pessoas se afeiçoam, se interessam ou concordam com a concepção, mas o que vale é conhecer, estudar, refletir e verificar se de fato vai ao encontro com o que você acredita.
Acredito que a abordagem contribui muito para a formação dos educadores:
- o cuidado que educa fica muito claro,
- o papel do educador como sensível, observador, reflexivo, que documenta, cria mais condições favoráveis e faz menos intervenções diretas;
- conhecimento específicos e das capacidades dos bebês e crianças pequenas
- educador tranquilo, paciente, afetuoso, compreensivo, interessado pelos detalhes do cotidiano;
- consciência de que atuar com essa faixa etária é uma grande responsabilidade;
- é uma profissão restrita, não é para qualquer pessoa;
- necessita de estudo e reflexão contínua,
- engloba temas das diversas áreas como psicologia, psicanálise, pedagogia, psicomotricidade, pediatria, psiquiatria, etc;
- considera a necessidade de um sistema triangular de apoio e suporte ao trabalho desenvolvido (o educador também precisa ser cuidado);
- e almeja a valorização do profissional (importância e papel primordial para o desenvolvimento da criança);
- Dentre outros aspectos...
*Todos os direitos autorais do texto reservados para Marcela Chanan. É proibida sua cópia sem autorização prévia. O compartilhamento da publicação na íntegra diretamente do blog (link e via redes sociais) é livre.